quarta-feira, 21 de setembro de 2016

TEXTUALIDADE E COESÃO - 2º ANO


TEXTUALIDADE, COESÃO TEXTUAL E SEUS OPERADORES


 

Um texto não é uma sequência de sentenças, mas um encadeamento semântico delas, criando uma rede de sentido, a que damos o nome de textualidade. A esse encadeamento damos o nome de coesão. Em um texto falado podemos recuperar informações através de vários mecanismos, como o gesto, o tom da voz, o olhar. Em um texto escrito, esses recursos não estão disponíveis, portanto é fundamental que o encadeamento das sentenças seja preciso.

 

Uma textualidade supõe o entendimento claro do que se está querendo dizer, mas a língua dispõe de amplos recursos para construir essa textualidade de forma mais enxuta e coesa. Trata-se dos mecanismos de coesão.

 

Tomemos como exemplo duas sentenças simples:

 

Pegue as frutas. Coloque as frutas no carrinho.

 

O falante pode recuperar a informação sobre quais frutas são apontando para elas, por exemplo. Suponhamos que houvesse várias frutas, umas próximas ao falante, outras distante dele. Em um texto escrito seria fundamental que se determinasse através de um mecanismo de coesão a quais frutas estamos nos referindo:

 

Pegue aquelas frutas. Coloque as frutas no carrinho.

 

Esse procedimento, ainda que correto torna desagradável a leitura que se pretende fluida. Assim, faz parte do processo coesivo a adoção de uma estrutura mais enxuta, evitando repetições desnecessárias à textualidade.

 

Veja agora:

 

Pegue aquelas frutas. Coloque-as no carrinho.

 

Repare que o termo “frutas” foi recuperado pelo pronome “as”, deixando o texto mais enxuto, mais fluido, sem perder a sua clareza.

           

Vejamos alguns mecanismos de coesão:

 

Referência:

A coesão se estabelece fazendo referência a algum elemento já mencionado ou ainda por se mencionar. No exemplo anterior, o pronome “as” retoma o substantivo a que se faz referência. É a chamada referência anafórica. Veja um outro tipo de coesão referencial:

 

O time só pensava nisto: a conquista do campeonato.

 

Repare que o pronome “isto” só faz sentido se recuperado pela sentença posterior: “a conquista do campeonato.” A coesão se estabelece não pelo foi dito, mas pelo que se está por dizer. É a chamada referência catafórica.

 

As palavras responsáveis por esse tipo de coesão são os pronomes, que podem ser pessoais, possessivos ou demonstrativos, os advérbios de lugar e os artigos definidos. Veja esses exemplos:

No bar, Leticia pediu uma cerveja. A cerveja, no entanto, estava quente.

 

Veja que se substituíssemos o artigo definido por um indefinido, o texto não faria sentido:

 

* No bar, Leticia pediu uma cerveja. Uma cerveja, no entanto, estava quente.

 

 Veja:

 

Daniel esteve, ontem, em Brasília. Na referida cidade, o mesmo disse que a política continuava instável. 

 

Poderíamos tornar esse segmento mais coeso:

 

Daniel esteve, ontem, em Brasília. Lá, ele disse que a política continuava instável.

 

Ao escrever essas sentenças percebemos que o pronome “ele” poderia ser suprimido. É um outro mecanismo de coesão:

 

Elipse:

Estabelece-se quando algum elemento do texto é omitido:

 

Daniel esteve, ontem, em Brasília. Lá, (ele) disse que a política continuava instável.

 

Coesão lexical:

Trata-se do efeito obtido pela seleção vocabular ao se repetir o item lexical, substituindo-o por um sinônimo, um hiperônimo, ou ainda, um nome genérico. Veja:

 

Aquele menino foi bem no teste. O garoto parecia, de fato, preparado.

 

Os ladrões correram para dentro do supermercado. Lá, os criminosos foram detidos pela polícia.

 

As crianças se assustaram com as pegadas no chão. Quando se deram conta, viram a coisa atrás da porta.

 

Um tipo de coesão lexical é a nominalização, que transforma um verbo em substantivo, estabelecendo a coesão textual:

 

É preciso transformar a sociedade. Tal transformação começa com o incentivo à cultura e à educação.

 

Conjunção ou Conexão:

Estabelece uma correlação entre o que está para ser dito e o que já foi dito anteriormente travando uma relação de sentido qualquer.

 

Murilo estava sem dinheiro e pediu dinheiro ao banco.

 

Murilo pediu dinheiro ao banco, mas não conseguiu pagar.

 

Como não conseguiu pagar o dinheiro, Murilo perdeu o seu crédito.

 

 

EXERCÍCIOS


 

1.      Os trechos abaixo apresentam deficiência coesiva. Reescreva-os, de modo a torná-los coesos.

 

a)      “Muita gente votou nas últimas eleições. Muita gente pensava que as coisas iriam mudar radicalmente, mas muita gente estava enganada. O Brasil parece que levará ainda um tempo muito grande para amadurecer. O que o Brasil precisa, entretanto, para chegar a ficar maduro é manter arejada e viva a democracia.”

 

b)      “O projeto Rio Cidade prejudicou o transeunte carioca com seus buracos e postes. No entanto, o Rio Cidade gastou milhares de reais dos cofres públicos enquanto a prioridade devia ser as favelas...”

 

c)      “ O melhor exemplo a ser seguido é o dos pais para a formação dos filhos. A melhor formação dos filhos vem de casa pelos pais.”

 

d)     “Os meios de comunicação, aliados ao desejo de muitos pais em tornar seu filho uma pessoa bem preparada para o futuro, acabam impondo a este a necessidade de praticar um grande número de atividades.”

 

e)      “Para todos nós, jovens decididos e indecisos, a sociedade como um todo vai influenciar na nossa formação.”

 

f)       “Desde criança, a família tenta dar uma criação ao seu filho. Depois vem a consciência individual de cada um...”

 

2.      Em cada item abaixo há no mínimo duas orações. Reúna-as em um só período de forma mais coesa possível, mantendo a relação de sentido.

 

a)      O Fluminense empatou no domingo. A torcida do Flu estava irada. A torcida quebrou o alambrado.

 

b)      Existem muitos governos. Há a promessa da eterna reforma agrária. Uma imensa massa de trabalhadores fica prejudicada. A reforma não sai do papel. A paciência dos trabalhadores esgotou.

 

 

 

 

 

 

PARA DIA 06/10

 

TEXTO I

A Bic e o socialismo

 

            É moda dizer que o socialismo fracassou devido à natureza humana. Será? Se você quiser entender o socialismo, poderá ler a História da riqueza do homem, de Leo Huberman. Marx, Engels etc. já exigem mais disposição, mas se você quer MESMO entender como o socialismo dá certo, abandone a teoria e olhe à volta. O que vê? Capitalismo por toda parte? Engano seu...há um enclave socialista, diria até comunista, sólido, consolidado, bem abaixo de nossos narizes e essa obra, revolucionária, foi criada por um francês de nome curtíssimo: Bic.

            Ele é o inventor da caneta Bic. Não há nada mais comunista do que a caneta Bic. Quer ver? Se você não for encarregado do almoxarifado da empresa, for apenas um homem comum, responda: quantas Bics você comprou na vida? Quantas você já usou? Quantas usou DO COMEÇO ATÉ O FIM?

            Nas respostas está o segredo. Normalmente (a não ser que seja almoxarife ou tarado), você não comprou nem 5% das Bics que usou em sua vida. E elas vêm e vão mas não pertencem a ninguém em particular. São socializadas e ninguém se desespera ao ver que sua Bic sumiu (experimente perder uma Parker), pois tem certeza de que, em meia hora, outra estará caindo em suas mãos. Você vai ao banco, preenche um cheque, pede emprestada a Bic e a põe no bolso, saindo lépido e fagueiro para esquecê-la com seu colega de trabalho que pediu-a “emprestada”, mas recupera, logo adiante, outra, esquecida sobre a mesa...

            As Bics se encaixam perfeitamente na máxima marxista: “De cada um, segundo as suas possibilidades, a cada um segundo suas necessidades.” Quem pode (o almoxarife, por exemplo) compra muitas; quem precisa serve-se de acordo com a necessidade e todos ficam felizes.

Há maníacos pela propriedade que colocam tiras de papel no interior da caneta com seu nome. Só funciona – às vezes – se conhecermos o dono. Do contrário, olharemos para a caneta em nosso bolso e nos perguntaremos, lendo a tira de papel: “Quem, diabos, é Zwinglio Kelezogulu?”

            Depois, balançando a cabeça, embolsaremos a caneta. Sem culpa. Eu não disse?

                                                             

                                                            UTZERI, Fritz. Dancing Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2001.

 

3.      O texto se baseia numa comparação esdrúxula para confirmar sua tese de que o socialismo não está morto. Transcreva do 3º parágrafo uma frase em que esteja explícita a relação entre a caneta Bic e a visão socialista.

 

4.      Explique o mecanismo de coesão utilizado pelo autor para ligar o 2º parágrafo ao 1º.

 

(UNICAMP)

Veja os trechos:

 

- Fazendo sucesso com sua nova clínica, a psicóloga Iracema Leite Ferreira Duarte, localizada na rua Campo Grande, 159.

 

- Embarcou para São Paulo Maria Helena Arruda, onde ficará hospedada no luxuoso hotel Maksoud Plaza.

                                                          [Notícias da coluna social do Correio de Mato Grosso, 28/8/88]

 

5.      Escolha um dos trechos, diga qual é a interpretação “estranha” que ele pode ter e reescreva-o de forma a evitar o problema.

 

(UNICAMP)

O comentário seguinte faz parte de uma reportagem sobre o decreto assinado pelo (então) presidente José Sarney, tornando eliminatórios, no vestibular, os exames de língua portuguesa e de redação:

 

    “Os estudantes que pretendem ingressar na UNICAMP, no próximo vestibular, concordam com o decreto do governo. Estão reclamando, apenas, que a Universidade de Campinas está exigindo a leitura de um livro que entrará no exame inexistente no Brasil: A Confissão de Lúcio, Mário de Sá-Carneiro.”

                                                                                                        Isto é Senhor, 14/9/88.

 

6.                  Conforme redigido, o texto contém uma passagem ambígua. Identifique essa passagem, transcreva-a e explique por que ela é ambígua. Em seguida, reescreva-a de forma a tornar clara a interpretação pretendida pela revista.

 

ESTUDO DIRIGIDO 4º BIMESTRE 1º ANO


ESTUDO DIRIGIDO 4º BIMESTRE – DISSERTAÇÃO

 

v Neste bimestre, estudaremos a DISSERTAÇÃO

Assista ao vídeo e anote as principais características:


 

 

v Leia um texto dissertativo e as observações feitas sobre ele:

 

A ESTRUTURA DO TEXTO DISSERTATIVO


A Dissertação se caracteriza pela defesa de uma ideia, de um ponto de vista, ou pelo questionamento acerca de um determinado assunto. Para a fundamentação desse ponto de vista, o texto dissertativo utiliza uma estrutura argumentativa, pois é a partir desses argumentos que se justificará a ideia central da dissertação.
Em geral, para se obter maior clareza na exposição de um ponto de vista, costuma-se distribuir o texto dissertativo em três partes:

Introdução: em que se apresenta a ideia ou o ponto de vista a ser defendido;
Desenvolvimento ou Argumentação: em que se desenvolve o ponto de vista para tentar convencer o leitor, usando uma sólida argumentação, com exemplos, citações, ou fornecimento de dados;
Conclusão: em que se dá um fecho ao texto, coerente com o desenvolvimento, com os argumentos apresentados.

 Em um texto dissertativo não há, de forma alguma, a marca de interlocução. Argumenta-se para convencer um leitor hipotético, chamado de interlocutor universal. Portanto, em uma estrutura dissertativa a presença da 2ª pessoa, de vocativos implica uma inadequação ao tipo de texto a que se propõe.

A elaboração de uma dissertação não está centrada na função poética da linguagem e sim na colocação e na defesa de ideias, logo não se justifica o uso exagerado de figuras de linguagem em um texto dissertativo, pois os sub-textos que a linguagem figurada cria pode, de alguma forma, esvaziar o poder argumentativo do texto.
A seleção de argumentos e ainda a forma de argumentar serão decisivos para a estruturação e o sucesso do texto. A consistência da dissertação se deve, basicamente, à consistência dos argumentos escolhidos para defender o ponto de vista. A esse ponto de vista damos o nome de tese.
Acerca de um tema podemos obter vários pontos de vista diferentes. Por isso, é fundamental que se eleja, antes de tudo, a tese que será defendida a respeito daquele tema. Definida a tese, podemos selecionar os argumentos mais contundentes que possam sustentar a tese que se pretende defender.

 

Uma argumentação sustenta-se basicamente de quatro maneiras:

argumentos de valor universal - aqueles que são incontestáveis. Se dissermos, por exemplo, que sem resolver os problemas de família não se resolvem os das crianças de rua, vai ser difícil alguém contradizê-lo;
dados colhidos na realidade - as informações têm de ser exatas e do conhecimento de todos. Informações falsas ou sem respaldo suficiente não convencem ninguém;

citações de autoridade - neste caso, o embasamento pode vir dos principais autores sobre o assunto. É importante ler muito e se informar;
exemplos e ilustrações - recorrer a exemplos conhecidos, de domínio público, ajuda a fortalecer a argumentação.

 

Veja um bom exemplo de um texto dissertativo:

 

"A empregabilidade em ambiente de globalização"


              O processo de internacionalização da economia, conhecido como globalização, traz consigo uma nova visão da natureza do emprego. Agora, não basta estar apto a conquistá-lo, é também necessário conseguir mantê-lo, em um ambiente submetido a fortes pressões competitivas e em permanente mudança. A esse fenômeno dá-se o nome de empregabilidade, definida por Chiavenato como o "conjunto de competências e habilidades necessário para uma pessoa manter-se colocada na empresa".

A revolução da tecnologia da informação, a uniformização mundial dos padrões de consumo e as facilidades de comunicação e de transporte viabilizam o planeta, e não mais um país ou continente, como o espaço econômico disputado pelas empresas. Fluxos internacionais de informação, de capitais e de mercadorias, bem como a intensificação da competitividade, são a tônica da economia globalizada. 

Esse contexto está provocando rápidas e profundas alterações nos perfis profissionais exigidos pelas organizações. De início, educação básica completa tornou-se requisito imprescindível para o trabalhador comum habilitar-se a qualquer colocação, mesmo que não especializada. Flexibilidade, multifuncionalidade e capacidades de raciocínio e decisão também são competências crescentemente requeridas. Em atividades de maior qualificação, onde é ainda maior a obsolescência de conhecimentos técnicos, o profissional deve adotar a postura do aprendizado permanente, mantendo-se sempre atualizado e capacitado a acompanhar as transformações do mercado.

Tal empregabilidade é, portanto, o conceito-chave no mercado de trabalho contemporâneo. Significa criar e renovar, a cada dia, competências e habilidades profissionais, incluindo, não somente o domínio técnico de novos sistemas e tecnologias, mas também o aprimoramento contínuo em campos como a negociação, línguas estrangeiras, relacionamento interpessoal e compreensão de valores de outras culturas e etnias.

As exigências atuais são tão intensas que Chivenato sugere, inclusive, a possibilidade da existência de "uma verdadeira seleção natural de espécies profissionais", referindo-se ao conceito darwiniano de luta pela sobrevivência. Nesse ambiente de feroz competição, o profissional moderno precisa, para garantir sua empregabilidade, ir além, colocando-se à frente das mudanças e tornando-se o agente de transformações que cria novas vantagens competitivas para ele próprio e para sua empresa.  

               

[Redação de um candidato ao mestrado de Administração da Fundação Getúlio Vargas]

 

Repare que na introdução já se percebe o tema a ser desenvolvido: a empregabilidade no mundo globalizado. Para embasar o conceito de empregabilidade e deixar claro o corte que será feito sobre assunto, cita-se Chiavenato, autor que escreveu sobre este tema. É a importância da leitura de vários tipos de texto que está sendo posta em prática aqui.

 

Nos parágrafos 2, 3 e 4 vemos o desenvolvimento da argumentação. O parágrafo 2 desenvolve a idéia de que "fluxos internacionais de informação, de capitais e de mercadorias, bem como a intensificação da competitividade, são a tônica da economia globalizada"; o parágrafo 3 traz como tópico frasal a idéia de que "o profissional deve adotar a postura do aprendizado permanente, mantendo-se sempre atualizado e capacitado a acompanhar as transformações do mercado". E parágrafo 4 centra-se na visão de que "tal empregabilidade é, portanto, o conceito-chave no mercado de trabalho contemporâneo."

 

Veja que esses argumentos servem de sustentação para a tese que se encontra na conclusão do texto: "o profissional moderno precisa, para garantir sua empregabilidade, ir além, colocando-se à frente das mudanças e tornando-se o agente de transformações que cria novas vantagens competitivas para ele próprio e para sua empresa."

 

Um texto dissertativo, ao contrário de uma narração, não apresenta uma progressão temporal; os conceitos são genéricos e não se prendem a uma situação de tempo e espaço, por isso o emprego de verbos no presente. Outra marca sintática é o uso da 3ª pessoa, preferivelmente, pois se trata de uma linguagem sóbria, denotativa.

 

Perceba, também, nesse texto, o correto emprego dos conectivos encadeando os parágrafos. Esse mecanismo é fundamental para deixar o texto claro e coeso.

 

Agora, veja uma proposta de produção textual do vestibular da PUC-RJ

 

PUC - RIO 2015

 

Produza um texto dissertativo-argumentativo – com cerca de 25 linhas e título –, em terceira pessoa, comentando a frase do naturalista escocês/norte-americano John Muir (1834-1914): “O poder da imaginação nos faz infinitos”, seja para concordar com ela, seja para contradizê-la. Além disso, deve-se citar algum pensamento, frase ou ideia do artigo abaixo, inserindo a fonte de referência em seu texto (Marcelo Gleiser, no texto “A festa da imaginação”...).

 

 

A festa da imaginação

Marcelo Gleiser1

 

 

Quando era garoto, costumava passar as férias de verão na casa dos meus avós, em Teresópolis, uma cidade na serra dos Órgãos, perto do Rio. Eram 80 km de viagem, os últimos 25 km atravessando montanhas, uma sequência espetacular de picos de granito. O Fusca do meu pai subia com muito esforço. Mas pouco me importava: torcia mesmo para que o carro avançasse bem devagar. Assim, tinha mais tempo de olhar pela janela, acompanhando a incrível transformação do cenário, do caos urbano de Copacabana às montanhas sublimes, recortadas por centenas de milhões de anos de erosão, revestidas aqui e ali pela inigualável mata atlântica. Para meus olhos de criança, a transformação da cidade em montanhas, dos prédios no majestoso Dedo de Deus, dos vasos de planta na explosão de orquídeas e bromélias, era algo de mágico. [...] O Carnaval era sempre lá, na casa das montanhas. Minha família escapava do calor e do buchicho, e íamos aos bailes vestidos de pirata e de cowboy, pulando e marchando ao som da banda ao vivo. Era uma grande festa da imaginação, cada um sendo o que queria ser, mas não podia. Crescer é perder a capacidade de imaginar que o imaginado é o real; é erguer cada vez mais a muralha entre a realidade e a imaginação, ficar sensato, esquecer-se de manter a mente aberta para contemplar o impossível.

Nessas horas de nostalgia entendo por que acabei virando cientista. Queria ter uma vida em que a imaginação não é aprisionada pelo bom senso. É bem verdade que nenhuma criança pede para se fantasiar de Einstein ou de Santos Dumont – se bem que já saí com a Unidos da Tijuca vestido como o dito cujo. Mas poderiam: um reinventou o que é o espaço e o tempo; o outro inventou como podemos voar. São exemplos de pessoas que cresceram se recusando

a crescer, ao menos sem erguer uma muralha intransponível entre realidade e imaginação. Pelo contrário, mostraram que é possível transformar a realidade em algo aparentemente mágico usando justamente a imaginação.

É esse o aspecto mais cativante da ciência, recriar o mundo. Imagino a cara do meu avô se me visse falando num iPhone, ele no Rio e eu em Teresópolis; ou se usasse o seu GPS para evitar o trânsito na avenida Brasil; ou se olhasse para o céu noturno e vislumbrasse satélites cruzando a escuridão; ou se visse imagens de mundos distantes, trazidas por telescópios espaciais.

Que mundo mágico esse em que vivemos, hein, vô? E que pena que pouco ligamos para essa mágica toda ou paramos para refletir que ela vem justamente dessas pessoas que têm um compromisso aberto com a imaginação.

 

GLEISER, Marcelo. A festa da imaginação. Folha de S. Paulo, 8 de agosto de 2014.

Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/154556-a-festa-da-imaginacao.shtml>.

1 Marcelo Gleiser é escritor e professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA).

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

1º ano 3º bimestre CARTA ARGUMENTATIVA


Carta argumentativa

(Texto Argumentativo /Persuasivo)

 

Características do texto argumentativo/persuasivo

 

      Além de uma dissertação, a prova de Redação do Vestibular Unicamp propõe também uma carta argumentativa. O que diferencia a proposta da carta argumentativa da proposta de dissertação é o tipo de argumentação que caracteriza cada um desses tipos de texto. O texto dissertativo é dirigido a um interlocutor genérico, universal. Por outro lado, a proposta de carta argumentativa pressupõe um interlocutor específico para quem a argumentação deverá estar orientada. Essa diferença de interlocutores deve necessariamente levar a uma organização argumentativa diferente, nos dois casos. Até porque, na carta argumentativa, a intenção é freqüentemente a de persuadir um interlocutor específico (convencê-lo do ponto de vista defendido por quem escreve a carta ou demovê-lo do ponto de vista por ele defendido e que o autor da carta considera equivocado).

 

      É importante justificar por que se solicita que a argumentação seja feita em forma de carta. Acredite, essa é uma opção estratégica feita em seu próprio benefício. O pressuposto é o de que, se é definido previamente quem é seu interlocutor sobre um determinado assunto, você tem melhores condições de fundamentar sua argumentação.

 

      Vamos tentar exemplificar, mais ou menos concretamente, algumas situações argumentativas diferentes, para que fique claro que tipo de fundamento está por trás desta proposta da Unicamp. Imagine-se um defensor ardoroso da legalização do aborto. Perceba que sua estratégia argumentativa seria necessariamente diferente se fosse solicitado a :

 

        escrever uma dissertação sobre o assunto, portanto, escrever para o nosso "leitor universal";

 

      escrever ao Papa, para demonstrar a necessidade de a Igreja Católica, em alguns casos, rever sua postura frente ao aborto;

 

      escrever a um congressista procurando persuadi-lo a apresentar um anteprojeto para a legalização do aborto no Brasil;

 

      escrever ao Roberto Carlos procurando persuadi-lo a incluir, em seu LP de final de ano, uma música em favor da descriminação do aborto.

 

      Você não concorda conosco? Não fica mais fácil decidir que argumentos utilizar conhecendo o interlocutor? É por isso que é tão importante que você, durante a elaboração do seu projeto de texto, procure representar da melhor maneira possível o seu interlocutor, uma vez conhecido.

 

      Embora o foco desta proposta seja um determinado tipo de argumentação, o fato de que o contexto criado para este exercício é o de uma carta implica também algumas expectativas quanto à forma do seu texto. Por exemplo, é necessário estabelecer e manter a interlocução, usar uma linguagem compatível com o interlocutor (por exemplo, não se dirigir ao Papa com um jovial E aí, Santidade, tudo em cima?, muito menos despedir-se de tão beatífica figura com Pô, cara, tu é do mal!). Mas que fique bem claro: no cumprimento da proposta em que é exigida uma carta argumentativa, não basta dar ao texto a organização de uma carta, mesmo que a interlocução seja natural e coerentemente mantida; é necessário argumentar.

 

      A estrutura de uma carta argumentativa

 

      Início: identifica o interlocutor. A forma de tratá-lo vai depender do grau de intimidade existente. A língua portuguesa dispõe dos pronomes de tratamento para estabelecer esse tipo de relação entre interlocutores.

 

      O essencial é mostrar respeito pelo interlocutor, seja ele quem for. Na falta de um pronome ou expressão específica para dirigir-se a ele, recorra ao tradicional "senhor" "senhora" ou Vossa Senhoria.

 

      O texto dissertativo é dirigido a um interlocutor genérico, universal. A proposta de carta argumentativa pressupõe um interlocutor específico para quem a argumentação deverá estar orientada. Essa diferença de interlocutores deve necessariamente levar a uma organização argumentativa diferente, nos dois casos. Até porque, na carta argumentativa, a intenção é freqüentemente a de persuadir um interlocutor específico (convencê-lo do ponto de vista defendido por quem escreve a carta ou demovê-lo do ponto de vista por ele defendido e que o autor da carta considera equivocado).

 

      Mas que fique bem claro: no cumprimento da proposta em que é exigida uma carta argumentativa, não basta dar ao texto a organização de uma carta, mesmo que a interlocução seja natural e coerentemente mantida; é necessário argumentar.

 

      Exemplo de carta argumentativa

 

      São Paulo, 29 de novembro 1992

 

      Prezado Sr. E.B.M.

 

      Em seu artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo a 1.º de setembro, deparei com sua opinião expressa no Painel do Leitor. Respeitosamente, li-a e percebendo equívocos em suas opiniões quanto à veracidade dos motivos que colocaram milhares de jovens na rua, de maneira organizada e cívica, tento elucidar-lhe os fatos.

 

      Nosso país, o senhor bem sabe, viveu muitos anos sob o regime militar ditatorial. Toda e qualquer manifestação que discordasse dos parâmetros ideológicos do governo era simplesmente proibida. Hoje, ao contrário daquela época, as pessoas conquistaram a liberdade de expressão e o país vive o auge da democracia. Assim, perante essa liberdade o Brasil evoluiu. Atravessamos um período de crises econômicas, mas as pessoas passaram a se interessar de maneira mais acentuada pelo seu cotidiano diante da própria liberdade existente. Dessa forma, deparamos com uma população ideologicamente mais madura.

 

      Em sua carta enviada à Folha de São Paulo, o senhor assegura que a juventude é absolutamente imatura e incapaz de perceber a profundidade dos acontecimentos que a envolvem. Asseguro que tal opinião não é a mais justa. Nós já fomos jovens e sabemos perfeitamente que é uma época de transição.

 

      Mudamos nossos conceitos, nossos desejos e nossa visão de mundo. Mesmo assim, determinados valores que assumimos como corretos persistem em nossas vidas de forma direta ou não. Não sei se o senhor tem filhos, mas eu invejo a concepção que os meus assumem perante inúmeros acontecimentos. São adolescentes, que se interessam pelos fatos políticos e se preocupam com o destino da nação, pois estão cientes de que num futuro próximo serão as lideranças do país.

 

      Outro aspecto relevante em sua carta é o de dizer que a juventude, generalizadamente é indisciplinada. Tal opinião não condiz com a verdade. Nas manifestações pró "impeachment que invadiram o país visando a queda do Presidente Collor, não se viram agressões, intervenções policiais ou outras formas de violência. Fica, portanto, claro, que a manifestação dos chamados caras-pintadas não é vazia. Conscientes de que uma postura pouco organizada não lhes daria credibilidade, os jovens manifestaram-se honrosamente. Com isso, frente ao vergonhoso papel do próprio Presidente da República, Fernando Collor de Mello, a juventude demonstrou um grau de maturidade e percepção maior que o do próprio chefe de estado.

 

      Vemos, com isso, que os jovens visam ao bem do país e o seu processo de conscientização não se deu de uma hora para outra. Assim, dizer que a juventude é motivada pelo espírito da época, visando ao hedonismo é errôneo. Nossos jovens, senhor E.B.M., são reflexos da liberdade existente no país e a sua evolução político-ideológica. Sem mais, despeço-me.

 

      K.C.M. de M.

 

PROPOSTA DE REDAÇÃO

 

      TEMA C

 

      Periodicamente, ao longo da história, pensadores têm afirmado que a humanidade chegou a um ponto definitivo (o "fim da história"). O artigo abaixo, parcialmente adaptado, que Denis Lerrer Rosenfield publicou no jornal "Folha de S. Paulo" em 28/06/2002, de certo modo retoma essa afirmação.

 

      A POÇÃO MÁGICA

 

      O mundo mudou depois de 11 de setembro. A administração Bush, inicialmente voltada para um fechamento dos EUA sobre si mesmos, cujo símbolo era o projeto de escudo interbalístico, que protegeria essa nação de mísseis intercontinentais, afirma-se agora claramente como imperial. Sua doutrina militar sofreu uma alteração substancial. Doravante, a prioridade são ataques preventivos, que eliminem os focos terroristas no mundo, ameaçando e atacando os Estados que lhes dêem cobertura e, sobretudo, que tenham armas químicas e biológicas. (...)

 

      Talvez o mundo, no futuro, mostre que o problema da democracia passa pela influência que países, empresas, sindicatos e meios de comunicação venham a exercer sobre a opinião pública americana - que pode, ela sim, mudar os rumos do império. Não esqueçamos que a Guerra do Vietnã terminou devido à influência decisiva da opinião pública americana sobre o centro de decisões políticas. Os países deverão se organizar para atuar sobre a opinião pública americana.

 

      Se essa descrição dos fatos é verdadeira, nenhuma política futura poderá ser baseada em um confronto direto com os EUA ou em um questionamento dos princípios que regem essa nação. A autonomia, do ponto de vista econômico, social, militar e político, pertence ao passado. Poderemos ter nostalgia dela, mas seu adeus é definitivo. O que não significa, evidentemente, que tenhamos de acatar tudo o que de lá vier; é imperativo reconhecer, porém, que a realidade mudou e que embates radicais estão fadados ao fracasso.

 

      Na época do Império Romano, o general César ou os imperadores subseqüentes não estavam preocupados com o que se passava na Gália. Seus exércitos vitoriosos exerciam uma superioridade inconteste. Era mais sensato negociar com eles do que enfrentá-los. Se uma Gália moderna achar que pode deixar de honrar contratos, burlar a democracia, fazer os outros de bobos, mudando seu discurso a cada dia ou cada mês, sua política se tornará imediatamente inexeqüível.

 

      Contudo, se, mesmo assim, esse povo decidir eleger um Asterix, convém lembrar que foi perdida para sempre a fórmula da poção mágica e suas últimas gotas se evaporaram no tempo.

 

      Escreva uma carta, dirigida ao EDITOR do jornal, PARA SER PUBLICADA. Após identificar a tese central do texto de Rosenfield,

 

      a) caso concorde com o ponto de vista do autor, apresente outros argumentos e fatos que o reforcem;

 

      b) caso discorde do ponto de vista do autor, apresente argumentos e fatos que o contradigam.

 

      Para realizar essa tarefa, além do texto acima, considere também os que se seguem:

 

      - Ao assinar a carta, use iniciais apenas, de forma a não se identificar.

 

      1. Ao ver um cordeiro à beira do riacho, o lobo quis devorá -lo. Mas precisava de uma boa razão. Apesar de estar na parte superior do rio, acusou-o de sujar a água. O cordeiro se defendeu:

 

      - Como eu iria sujar a água, se ela está vindo daí de cima, onde tu estás?

 

      - Sim, mas no ano passado insultaste meu pai, replicou o lobo.

 

      - No ano passado, eu nem era nascido...

 

      Mas o lobo não se calou:

 

      - Podes defender-te quanto quiseres, que não deixarei de te devorar. (Adaptado de Esopo, "Fábulas". Porto Alegre, LP&M.).

 

      2. Então saiu do arraial dos filisteus um homem guerreiro, cujo nome era Golias, de Gate, da altura de seis côvados e um palmo. (...) Todos os israelitas, vendo aquele homem, fugiam diante dele (...). Davi disse a Saul: "... teu servo irá, e pelejará contra ele". (...) Davi meteu a mão no alforje, e tomou dali uma pedra e com a funda lha atirou, e feriu o filisteu na testa, e ele caiu com o rosto em terra. E assim prevaleceu Davi contra Golias, com uma funda e uma pedra. (Adaptado de "I Samuel", 17, 4-50.)

 

      3. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (Karl Marx, "O 18 Brumário de Luís Bonaparte"... Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977).

 
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